Sempre que chego ao Cais do Sodré confronto-me com o início de mais um dia de trabalho, mais um dia igual aos outros, isto segundo o meu pensamento. E embora já tenha percorrido uma distância considerável até ali, é naquele lugar que sinto o início e o fim do dia.
A rua do Alecrim marca a minha relação com o tempo e com o espaço. Ora os minutos fogem e apanho o autocarro, o qual encontra-se sempre “à pinha” e do qual apenas vejo, por entre corpos encostados, paredes a fugir, paredes que são um perfil de uma rua de que eu perco a noção, sempre que entro no autocarro. Ora os minutos passam entre si, uns pelos outros dizendo um suave Bom-dia, e me permitem subir a Rua do Alecrim no meu calmo passo, … relacionando-me com o espaço, com a Rua, com o frenesim dos passos no passeio, pelo desacelerar com a subida da Rua.
Todos os dias, a uma determinada hora, passo, sempre, no mesmo lugar! Passo a Havanesa, e ultrapasso o casal de todos os dias, mesmo nos olhos de Fernando Pessoa. A velocidade é sempre a mesma, a intensidade dos meus passos também, assim como a tranquilidade no movimento daquele casal. Todos os dias lá vão eles… aparentam muitas memórias, cada ruga uma história, e o cabelo branco? Talvez seja a sua sabedoria!
Raramente olho para eles, ultrapasso-os, mas sempre com um sorriso, … inexplicavelmente tenho que sorrir sempre que me cruzo, … sei que não vêm o meu sorriso, pois nunca me viro para trás, … e sem saber, tenho que sorrir! Eles lá vão, na sua calma, descendo a Rua Garrett, ela, mais nova, agarra o braço dele e auxilia-o na sua locomoção, já que os pés já sentem o cansaço dos quilómetros percorridos. Todos os dias o mesmo casal, a mesma ternura, o mesmo respeito!
Eu nunca olho para eles, tenho sempre pressa e por isso ultrapasso-os e sorrio. Se os vir sentados num lugar distinto deste, não os vou reconhecer, pois não tenho a imagem dos seus rostos. A imagem que fica é a de duas pessoas que se respeitam, que se ajudam, e que todos os dias estão lá, a descer calmamente a Rua Garrett, presentes na vida um do outro! E o gesto da senhora que põem o seu braço no do Senhor diz tudo, … porque todos os dias estão lá, … e eu todos os dias passo por eles!
Rita Inácio - 1 de Junho