quarta-feira, abril 26, 2006

25 de Abril

“Um Portugal Velho e rotineiro de senhores e servos, estava ali vivo e presente. De mão vazia, ninguém pedisse justiça, conforto divino, instrução ou saúde. Parasitas do povo, o padre, o médico, o professor e o juiz, em nome de Deus, do saber, da lei e de Esculápio, exigiam-lhe todas as formas de preitesia, a começar pela mais concrecta: o óbolo dos frutos da terra. (…) Crédulo e submisso como há mil anos, o camponês gemia mas esvaziava a salgadeira, a tulha e o curral. Cair no desagrado de tais divindades, seria perdição total, neste mundo ou no outro. O Diário do Governo e o Boletim Diocesano não nomeavam funcionários públicos nem pastores de alma. Proclamavam omnipotências. E ai daquele que se recusasse a reconhecer-lhes a soberania! Do pé para a mão, acordava (…), com um círculo de maldição à volta.”

Miguel Torga, “A criação do Mundo – O Terceiro Dia”, Coimbra, edição original de 1938.

Miguel Torga terá sido um dos que criticou o Estado Novo, um estado que surgiu como nova ordem institucional, erguida sobre supostos novos símbolos e discursos, os quais estavam vinculados num estado Autoritário e burocratizado. Afastava-se nas elites literárias, das elites das artes, afastava-se da cultura, do saber, e com o seu afastamento, levou a que, o próprio povo, também de afastasse de tudo isso.
Desde de 1930 que Salazar veio a instaurar no país um governo baseado nas ideias ditatoriais, ideias que iam surgindo por toda a Europa. Sendo assim, o governo começou a dominar um escol de funcionários nomeados politicamente a partir do topo, funcionários, que supostamente serviam para ajudar à unificação do Poder do Governo, ao bem estar da Nação, mas que serviam para informar o mesmo de pessoas que falassem mal da acção governamental. E surge a PIDE a famosa Polícia de investigação e defesa do Estado, … que espalhou o medo, o pânico e acima de tudo o silêncio de um povo descontente, de um povo pobre de um povo que não tinha Liberdade de Expressão. O medo assombrou as casas, as pessoas, o espírito de luta, … havendo sempre alguém com coragem de lutar, com coragem de manifestar o seu desagrado por viver numa política, em que a concentração dos poderes estavam num só Partido, senão numa só Pessoa.
Este regime autoritário isolou Portugal interna e externamente, … isolou-nos do Mundo, e embora tudo tenha uma balança, embora exista sempre atitudes positivas e negativas, neste caso, e quem viveu durante o Estado Novo, apenas relembra as negativas. Foi o desgaste, a saturação o descontentamento que levou a que se originasse a Revolução dos Cravos, a Revolução do 25 de Abril.
De repente, e como “Castelo de Cartas” mal colocado, um regime com quarenta e quatro anos de existência, a mais velha e conservadora ditadura Europeia, caia sem que alguém surgisse em sua defesa. A guerra colonial, a crise petrolífera, o isolamento do regime e a repressão que abafava o pulsar colectivo, criaram o terreno propício a um Golpe de Estado. Golpe de Estado que relembraremos como a nossa Liberdade, o fim à opressão, o direito a Liberdade de Expressão, o direito aos Direitos Humanos.
Sem dúvida que devemos lembrar Salgueiro Maia e os Capitães de Abril, assim como do gesto de se colocar um cravo no cano da espingarda de um soldado, … mas mais do que isso devemos lembrarmo-nos de um povo que também lutou, que foi oprimido, e que se juntou aos militares para usufruírem da Liberdade.
Contudo o 25 de Abril é diferente para as várias gerações, para as mais novas apenas um relembrar do que se conta, para as mais antigas um alívio por ter Liberdade. Mas o 25 de Abril não pode ser visto apenas como a queda do Fascismo, temos que olhar e pensar, principalmente perceber que para além dos direitos adquiridos também adquirimos deveres, obrigações e respeito pelo próximo. Hoje podemos falar, contradizer, discutir a forma como o poder executivo deve trabalhar, e inclusive o órgãos executivos e deliberativos podem ser compostos por Homens e Mulheres, … podem ser de vários partidos, podem acreditar em ideais diferentes, mas não podemos esquecer que, muitas vezes, onde a Liberdade de uns começa acaba a de outros. Querendo dizer que devemos colocar de lado as diferenças políticas, e devemos respeitarmo-nos como Seres Humanos que somos, … por vezes é difícil, mas não devemos usar a Liberdade adquirida com o 25 de Abril para ofender quem quer que seja.
Por vezes esquecemo-nos que Liberdade e Libertinagem são coisas diferentes, e que a Revolução dos Cravos trouxe-nos a possibilidade de trabalharmos em conjunto, em colocar ideias em cima da mesa, e discutir o que é melhor para a sociedade, mas também em respeitar os ideais políticos de cada um.
Desde 1974, o tempo correu depressa, o tempo corre, mas já passaram trinta e dois anos, seria bom que todos parássemos um pouco para pensar se estamos a seguir o bom caminho, se a democracia em Portugal respira e pode respirar com toda a sua força. Era bom que usássemos o que a evolução nos trouxe e que tivéssemos finalmente a coragem de dizermos o que pretendemos, participarmos e solicitarmos a participação de todos na construção democrática.

O 25 de Abril foi uma revolução necessária, a evolução essa depende de nós e do que queremos da democracia que conquistamos.

Por isso digamos com respeito Viva a Liberdade, Viva o 25 de Abril.

Rita Inácio, texto lido em Assembleia Municipal...

2 Comments:

At 6:21 da tarde, Blogger Pedro Nobre said...

Um belo texto e nome do 25 de Abril... um marco que marcará para sempre o nosso futuro... apesar de as gerações mais novas não a compreendem...

Beijos.

 
At 3:01 da tarde, Blogger Rita Inácio said...

Pedro desculpa discordar,... penso que as gerações mais novas percebem o valor do 25 de Abril, apenas não podem senti-lo da mesma forma como quem o viveu...

Beijos

 

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